terça-feira, 19 de novembro de 2024

reflexo à beira do rio

Aqui onde moro, caminhadas invariavelmente levam à beira de algum rio. Um privilégio que aos poucos são mais raros, haja vista que a sede contemporânea pelo urgente deixa-nos imersos em um universo de cegueira cotidiana.

Porém, em uma destas caminhadas, encontrei-me com um velho conhecido. Quando criança costumava chamá-lo de Destino. É Destino. Achava de forma inconsciente um belo nome para um rio, pois sabia onde ele estava, mas não fazia a mínima ideia de para onde destinava-se o tal Destino.

Diziam as sábias vozes dos experientes adultos: "seu rumo é em direção ao mar".

Ao mar? Mas o rio é doce! Ele vira mar? Morre então? Mas...mas...ele quer transformar-se em mar?

Pobre Destino, talvez nem ele soubesse. Destino quer, ou é obrigado a ser algo que nem sabe o que?. Que aburdo!

Talvez ele não tenha escolha. Talvez Destino nem escolhera ser rio. Talvez pedira para ser mar, árvore, pedra, urso, vespa, gente - é...gente não - duvido que Destino pedisse por um destino tão cruel.

Olho para ele atentamente, mas não o reconheço. Em nosso último encontro ele parecia diferente. Mais alegre, mais potente, mais empenhado em vencer as curvas que o solo lhe impunha.

Hoje o observo mais cabisbaixo, mais temeroso, ouso a dizer, mais acanhado.

Talvez todo o lixo que ele transportara até aqui, o esteja impedindo de prosseguir em sua brava jornada até o tal de mar. Mas, quem o poluíra tanto, e como Destino permitiu que algo que não fosse de sua natureza, trancafiasse sua essência?

Destino talvez tivesse entregado-se ao destino. Mas então Destino também teria um destino? Qual o destino de Destino?

Não sei responder, mas ao observar meu reflexo em outrara magnífico rio, noto que eu também havia sido como ele: vibrante, obstinado, valente ansiando para ser um mar. 

Hoje sou rio? Sou mar?

Sou valente? Impotente?

Obstinado? Conformado?

Bravo? Covarde?

Eu nado ou nada?

Talvez mares já não despertem mais minha curiosidade. Afinal de contas o que é ela, a curiosidade, senão a ânsia em descobrir o que não se sabe?

Eu nada. Não nado.

Coloco meus pés à beira de Destino. Ele transforma-se como se houvesse ainda um quinhão de esperança em sua reunião de infinitas gotas gélidas.

Meu corpo reage, como na tentativa de dizer: "Sim, eu ainda nado".

Mas(mais?)nada.

 





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